segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O que tá acontecendo com o horário das 9?



Era o horário mais badalado da telinha. O que toda a família se reunia na frente da TV pra assistir. O carro-chefe da programação global. Mas que vem emplacando um fracasso atrás do outro. Estamos falando dele: do meu, do seu, do nosso horário das 9, que desde 2015 não traz nenhuma novela decente pro povão assistir.
A última novela que foi, digamos assim, razoável, foi Império. A trama do Comendador José Alfredo (Alexandre Nero) deu o que falar, especialmente depois que ele forjou a própria morte. Claro que não foi mania nacional, como Avenida Brasil, mas gerou uma repercussãozinha e conseguiu uma boa média geral.
A anterior não pode ser ignorada, embora mereça. Em Família era a última do Manoel Carlos, que iria se aposentar das novelas e acabar com a saga das Helenas. Colocou quatro fases, com Helenas em vários momentos de sua vida: bebê, criança, adolescente e quarentona. Criou um galã galinha tocador de flauta doce que se apaixonaria pela mãe e pela filha, o Laerte (Gabriel Braga Nunes), e talvez aí estivesse o grande problema: ninguém engoliu o ciúme exagerado e a galinhagem do personagem. Laerte virou vilão psicopata que nem o Marcos (Dan Stulbach) de Mulheres Apaixonadas e morreu. E o Ibope da novela foi pro brejo, não faltaram críticas para o enredo repetitivo e entediante da novela, para a chatice dos personagens principais e para a cicatriz dançante do Virgílio (Humberto Martins). Só salvou o casal de lésbicas Clara e Marina (Giovanna Antonelli e Tainá Müller), mas o sucesso mesmo foi só no Twitter e por mérito dos fãs da eterna Jade de O Clone.
De Império pra frente, foi só miséria. Começando por Babilônia, que teve um primeiro capítulo aclamado e com direito a meme (Não estou disposta), mas depois se perdeu na favela, na Regina (Camila Pitanga) barraqueira, no boicote dos crentes ao beijo de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg logo nos primeiros dias, e foi mudando tanto a ponto de ter um final indigno de ser incluído no selo Gilberto Braga de qualidade (alguém realmente queria saber quem tinha matado Murilo?).
Parecia que João Emanuel Carneiro ia salvar o dia. Afinal. ele é o autor de Avenida Brasil, o único grande sucesso desta década. As chamadas fizeram barulho, assim como as de suas novelas anteriores, mas morreu aí. Casais sem graça, muito tiro, porrada e bomba, atores fazendo os mesmos tipos e Alexandre Nero de novo, tudo isso contribuiu para que A Regra do Jogo afundasse de vez, embora tenha recuperado um pouco os números do horário (também, a antecessora foi Babilônia, né?).
Uma novela rural parecia ser uma boa pedida. Mais simples, recatada, sem tanta violência e favela e com mais amor e romance. Velho Chico, de Benedito Ruy Barbosa, prometia isso e muito mais. Afinal era do mesmo autor de O Rei do Gado, que foi bem na reprise, e não ia ter um personagem gay sequer. Aí o Silas Malafaia comemorou, não teve boicote dos crentes, mas teve boicote do público. A novela fracassou mais uma vez. E ainda de quebra enterrou dois atores: Umberto Magnani, que dava vida ao Padre Romão, e Domingos Montagner, simplesmente o protagonista Santo. Isso gerou comoção nacional, e embora tenha fracassado, a novela ao menos pode se gabar de ter mantido sua essência: texto afiado, atuações impecáveis, trilha sonora maravilhosa e uma fotografia incrível. Eis a razão desta novela ter papado vários prêmios da crítica especializada. E ainda por cima, redimiu a Camila Pitanga, que ganhou vários elogios nas cenas dramáticas de Tereza (também, se compararmos com a Regina de Babilônia, qualquer coisa é melhor do que aquilo).
E agora temos A Lei do Amor. De Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, estreantes no horário nobre, a atual novela das 9 está virando um samba de crioulo doido. Muitos personagens, muitos atores ruins, muita gente desnecessária e muitos cortes desnecessários. Claro que com o fracasso, deram um jeito de picotar tudo o que podia dar problema com os poderosos e provocar boicote: a trama política e o relacionamento gay inter-racial. Essa é a única explicação para terem tirado bons personagens, como o senador Venturini (Otávio Augusto) e o Zelito (Danilo Ferreira). Claro que a menção desonrosa vai para a Letícia, a filha purgante da Helô (Cláudia Abreu) interpretada pela pobre coitada da Isabella Santoni. A garota, que vem de um sucesso na Malhação - Sonhos, pegou logo uma bucha em sua estreia no horário nobre. Letícia é uma personagem difícil e exigiria muita experiência pra lidar com a óbvia rejeição do público. Recém recuperada de um câncer, a menininha mimada vivia enchendo o saco da mãe e do namorado Tiago (Humberto Carrão) e era facilmente ludibriada pelo pai padrasto Tião Bezerra (José Mayer). Agora a personagem mudou da água pro vinho, ficando mais esperta com o papi vilão e sendo mais amiguinha da mãe, mas nem isso serviu pra fazer o telespectador gostar dela. Ninguém engoliu a mudança e ainda odeiam a personagem, que mais parece a filha chata da Helena das novelas do Manoel Carlos. Só resta saber como Isabella lidará com as críticas, afinal ela é muito jovem e tem muito chão pela frente, ainda terá muitos personagens ruins pra pegar e pode ser que ela pegue um bom e se dê bem, como ocorreu com Adriana Esteves.

De quem é a culpa por tudo isso?

Os críticos mais atentos apontam Sílvio de Abreu como o grande responsável por essa sequência desastrosa. Afinal, como diretor de dramaturgia da Globo, é ele quem escolhe qual novela vai ao ar em que horário, quem vai estar na novela, do que vai falar a novela, se deve mudar alguma coisa ou não. E este depoimento de Benedito Ruy Barbosa à época de Velho Chico põe mais lenha na fogueira:

Pedi ao (Carlos Henrique) Schroder (diretor-geral da Globo), de quem sou amigo e aprendi a admirar, para que não deixasse, de forma alguma, o Silvio de Abreu ter qualquer ingerência na novela. Eu faria a novela das 21h com a minha filha, Edmara, e o meu neto, Bruno, porque não estou mais em condições de ficar 12 horas, 14 horas no computador em função do AVC que tive. Já estou recuperado, mas ainda preciso me cuidar. O acordo foi: quem vai palpitar na novela serei eu, na qualidade de supervisor, o Luiz Fernando (Carvalho), na qualidade de diretor, o Bruno e a Edmara. E isso foi respeitado totalmente.

Esta entrevista com o jornalista Maurício Stycer do UOL serviu pra explicar muita coisa. Afinal, fora Velho Chico, as outras novelas fracassadas receberam muita interferência, muita coisa foi mudada no enredo e em alguns casos, a trama ficou desfigurada. Esse pode estar sendo o caso de A Lei do Amor, que está recebendo a ingloriosa ajuda de Ricardo Linhares, um dos autores de Babilônia e supervisor de Rock Story, o atual sucesso das 7. E Velho Chico foi o único fracasso que mudou pouco em sua história: algumas coisas foram antecipadas, mais romance foi inserido e Carlos Eduardo (Marcelo Serrado) se assumiu como vilão da novela. Talvez os outros autores devessem ter peitado mais um pouco o Sílvio e batido o pé para manter as tramas mais promissoras. Mas eu apontaria outros aspectos:
O brasileiro enjoou da vilania. Num passado não tão distante, os atores que interpretavam os vilões faziam mais sucesso, ganhavam tudo quanto é prêmio e os personagens caíam na boca do povo. Foi assim com Nazaré Tedesco de Senhora do Destino, Bia Falcão de Belíssima, Flora de A Favorita e a Carminha de Avenida Brasil, só pra citarmos alguns exemplos. Suas intérpretes, Renata Sorrah, Fernanda Montenegro, Patrícia Pillar e Adriana Esteves, possuem o status de superestrelas globais e são disputadas a tapas pelos autores. Mas agora o povão quer mesmo é shippar casal, shippar brotp, ver cenas emocionantes de amor, alegria e sexo. Tanto é que vemos mais intérpretes de personagens do bem sendo indicados para premiações do que intérpretes de vilões. Veja o depoimento exclusivo de uma noveleira anônima:

Não assisto [A Lei do Amor], tem muita maldade, muito ódio na novela. Filho contra pai, pai contra mãe, quem quer ver isso? Já basta a vida, cheia de coisa ruim acontecendo. Eu é que não quero ver esse tipo de coisa. Eu tô vendo a do SBT [Carinha de Anjo], mas aí vi que a madrasta vai maltratar a menininha e já desanimei.

A Lei do Amor tem uma densidade demográfica elevada de vilões. Além de Tião, temos Magnólia (Vera Holtz), Ciro (Thiago Lacerda), algumas garotas interesseiras e alguns capangas puxa-saco dos poderosos. Velho Chico também era assim, mas com as mudanças, decidiram concentrar as maldades em Carlos Eduardo e regenerar Dona Encarnação (Selma Egrei) e o Coronel Saruê (Antônio Fagundes). Talvez o mesmo devesse ocorrer com ALDA, concentrando o mal em Mág, redimindo o Tião e o Ciro ou dando um fim nos dois.
Outro ponto importante: por que as novelas são exibidas tão tarde? Nove e vinte da noite já é hora de dormir pra muita gente que acorda cedo pra ir trabalhar às cinco da manhã. Claro que com essa correria da vida moderna, o brasileiro tem chegado mais tarde em casa e por isso todas as novelas estão passando mais tarde, mas o brasileiro em questão chega cansado demais pra pensar porque o Tião insiste em ter um caso com a Magnólia. E vocês repararam que as novelas das 7 estão quase passando às 8? Teoricamente, começam às sete e meia, e vão terminar lá pras oito e meia. No começo da década passada, era às oito e meia que começava Laços de Família, um dos últimos grandes sucessos de Maneco. Isso sem falar que os sucessos das concorrentes (Carinha de Anjo e Os Dez Mandamentos) começam nesse horário.
Ou seja, seria bom se a Globo se ligasse e adiantasse o horário da novela das nove. Podiam colocar o Jornal Nacional pra mais tarde ou iniciá-lo mais cedo, o pessoal da programação que ajeitasse. Essa grife maravilhosa que nos deu tantas novelas antológicas encerrou em Passione, do Sílvio de Abreu, a última novela que passou dos 50 pontos em sua reta final. Não foi lá um grande sucesso, mas se compararmos com as sucessoras, arrasou na audiência.

O que esperar das próximas?

Dizem que a marimba das novelas ruins começou com Glória Perez em Salve Jorge. A novela não era tão ruim, principalmente se compararmos com os fracassos seguintes, mas foi muito criticada na época. A mocinha Morena, interpretada por Nanda Costa, foi muito criticada, e a trama virou motivo de piada (como esquecer do Morri de Sunga Branca zoando a novela?). Ela será a autora de A Força do Querer, mas já notamos um problema presente nas antecessoras que se repete: elenco inchado. Tantas atrizes importantes em papeis importantes podem gerar confusão, vão aparecer algumas que se sentirão ofuscadas e tenho maus pressentimentos em relação à Ísis Valverde como sereia e a trama da garota trans. Falarei mais sobre o assunto no post dedicado à novela.
Outro que conseguiu uma boa audiência nesta década foi Walcyr Carrasco. Chamado às pressas após Sílvio reprovar os capítulos da novela que Duca Rachid e Thelma Guedes estavam preparando, ele conseguiu bolar uma sinopse em tempo recorde e está trabalhando a todo vapor em sua próxima história, que segundo boatos, teria o título provisório de Prova de Fogo, teria cenas no Jalapão e atores como Glória Pires, Bianca Bin, Sérgio Guizé e Cauã Reymond no elenco. Comentaremos assim que surgirem mais informações oficiais.
E depois vem Aguinaldo Silva, com O Sétimo Guardião. Ele retorna com seu realismo fantástico, misturando X-Men com Power Ranges, Caverna do Dragão, Capitão Planeta e dramalhão tupiniquim. Terá Marina Ruy Barbosa como uma heroína super-poderosa, Lília Cabral de vilã malvada, uma bruxa que pretende ressuscitar Nazaré Tedesco (!!!). Sei não... Mas é esperar pra ver! Enquanto isso, vote em nossa enquete!

Um comentário:

  1. Adorei a análise. Diria que a concorrência com outras plataformas ou outros formatos (séries), pode ser um fator que ajude a explicar a derrocada. Parabéns pelo blog!

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