quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Por que O Outro Lado do Paraíso faz tanto sucesso?



A atual novela das 9, "O Outro Lado do Paraíso", não para de bater os recordes de audiência. Bate fácil a casa dos 40 pontos, conseguindo picos de 46 no Rio de Janeiro, é a novela mais vista desde o mega-sucesso "Avenida Brasil", de 2012. Mas com a crítica a história é diferente.

Imagem relacionadaNão faltam argumentos para desabonar o texto e as situações da trama de Walcyr Carrasco. A sequência da morte do personagem Natanael (Juca de Oliveira) foi malhada pela crítica. Maurício Stycer a comparou a uma novela mexicana, frisando que os mexicanos poderiam se ofender com tal analogia. Cristina Padiglione, que até elogiou o núcleo do psiquiatra Samuel (um dos núcleos mais criticados da trama), não repetiu a atitude, chamou as cenas de constrangedoras e até sugeriu que as cenas seriam fortes candidatas ao Framboesa de Ouro, se houvesse premiação deste tipo no Brasil. Em sua coluna, Patrícia Kogut deu à sequência uma nota zero e a chamou de "suspense infantil". E Nilson Xavier, que nada disse sobre esta cena em seu blog, comparou a trama ao antigo humorístico "Zorra Total" e fez diversas piadas com a situação, criando até um bingo com as frases mais batidas da trama.

Mas foi justamente essa malfadada sequência que deu a "O Outro Lado do Paraíso" o maior recorde de audiência: 44 pontos. Marca conquistada por pouquíssimas novelas nesta década, incluindo "Império" (2015) e "A Força do Querer" (2017), que demoraram bem mais pra alcançar esses índices (a novela do Aguinaldo Silva só conseguiu esses números em sua última semana de exibição).

Isso faz com que muitos se perguntem: Por que uma trama tão ruim como "O Outro Lado do Paraíso" consegue audiência tão alta? Não faltam explicações, como personagens engraçados, vinganças e revelações bombásticas, mas Daniel Castro, do Notícias de TV, resumiu muito bem: mercado. Walcyr consegue captar exatamente aquilo que o telespectador quer assistir e transmite para a telinha.

Resultado de imagem para o outro lado do paraíso clara voltaVale lembrar que a novela teve dificuldades de engrenar nas primeiras semanas. O público criticava sua trama pesada, cheia de personagens maus e texto com frases fortes, chocantes, como as ofensas racistas ditas por Nádia, que desagradavam até mesmo a sua intérprete Eliane Giardini. Mas aí veio a segunda fase, a que teve a vingança da Clara, e seu retorno triunfal marcou também a grande virada na audiência. 

Muitos compararam a trama à de "Chocolate com Pimenta" (2003), que também tinha a vingança como plano de fundo. O próprio autor faz questão de salientar que se baseou no romance de Alexandre Dumas, "O Conde de Monte Cristo". E alguns críticos afirmam até que a novela praticamente copiou a obra francesa, com direito a prisão numa ilha isolada, fuga pelo mar e todo o resto.

Ou seja, esse é exatamente o segredo do sucesso do Walcyr: ele pega o que já deu certo em suas tramas anteriores, mistura com uma obra clássica desconhecida pelo grande público que já fez muito sucesso e vai mudando de acordo com a repercussão na audiência: o que é aprovado é mantido e o que é rejeitado é rapidamente descartado.

Foi exatamente isso o que foi apontado pelo texto publicado pelo Notícias de TV hoje, embora Daniel tenha ido mais além ao comparar a televisão a uma indústria (e consequentemente, a novela a um produto), não havendo tempo para que se pudesse fazer ajustes de roteiro, de interpretação e direção, pois em caso contrário, haveria comprometimento de toda uma grade e isso seria refletido no resultado final.

Postura diferente da adotada por muitos autores consagrados, que em vez de reconhecer suas falhas de roteiro, preferem culpar o público por não terem entendido sua obra e relutam em encerrar núcleos odiados pelos telespectadores. E também pelos críticos, que tendem a menosprezar novelas mais voltadas para as massas e a valorizar tramas mais antigas, com texto de melhor qualidade e atuações consideradas impecáveis.

Embora seja esta a função de uma crítica (exaltar o que é bom e detonar o que é ruim, vulgar e de baixa qualidade), elas nem sempre vão de acordo com o que o público gosta. E o público não curte muito tramas sem personagens bem-humorados, sem gays caricatos e com muito sofrimento. Talvez por isso "Tempo de Amar" e "Deus Salve o Rei" estejam enfrentando mais dificuldades em repetir o êxito de "O Outro Lado do Paraíso", que foi feita sob medida para o telespectador que chega extremamente cansado do trabalho e só quer assistir uma trama clichê cheia de cenas engraçadas, romance, alegria e também várias reviravoltas mirabolantes (mas devidamente explicadas, para não confundir seus cérebros esgotados de um dia inteiro de trabalho).


Mas, como foi muito bem lembrado por Maurício Stycer em seu tweet acima, as novelas brasileiras sempre contaram com tramas de qualidade que faziam tanto sucesso ou até mais que a do Walcyr está fazendo hoje, embora a maior parte dessas novelas lendárias tenham sido feitas nos anos 70/80/90, época em que o povo ficava mais tempo assistindo televisão e apreciava mais as novelas, diferente de hoje, em que a TV disputa atenção com a Internet, as redes sociais e o Youtube. É aí entra a grande dúvida; seria possível nos dias de hoje fazer uma trama de qualidade que tenha apelo com o grande público? Esse é o maior desafio dos autores da atualidade, mas ao que parece, não há tanto esforço da parte deles para isso.