Os resultados dos grupos de discussão de duas novelas da Globo, "Novo Mundo" e "Os Dias Eram Assim", mostraram a dura realidade da educação no Brasil: o povo brasileiro desconhece a própria história. As tramas até foram elogiadas pelos participantes, mas a parte histórica...
As duas novelas enfrentam realidades opostas na audiência: enquanto a novela das 6 vai bem no Ibope, a novela das 11 supersérie naufraga na audiência, batendo um recorde negativo atrás do outro. Devido a esse fato, o grupo de discussão de "Novo Mundo" foi adiado e o de "Os Dias Eram Assim" antecipado.

Daniel Castro detalhou em seu site Notícias da TV que os telespectadores ouvidos sabem pouca coisa desta época, muito baseado no que seus pais e avós contavam, e não tinham noção da truculência, da forte censura, da tortura, das mortes, dos desaparecimentos não solucionados até hoje e do exílio forçado (ou voluntário) dos opositores. Mas ao menos uma boa notícia: eles demonstraram interesse em saber mais sobre o assunto. Pena que seja apenas pela novela supersérie, e não por livros, filmes ou documentários que tratam disto. É quase a mesma coisa que diz um depoimento recebido por nós de uma noveleira anônima de meia idade:
"Olha, eu vejo essa nova novela aí de vez em quando porque acaba muito tarde. Eu gosto daquele menino que faz o Renato e da Alice, eles formam um casal bem bonito. No começo eu não entendi nada, sei que eles vão falar da ditadura, tem até uns comunistas lá, mas eu não entendo direito, a única coisa que me lembro da época é que meu pai vivia falando que comunista comia criancinhas e que eu era obrigada a cantar o Hino Nacional na escola todo dia antes das aulas. Parece que torturaram umas pessoas aí, até passaram umas cenas de gente sendo torturada, mas meu filho falou que é tudo mentira da Globo e que os militares não prendiam gente de bem, aí eu fiquei mais tranquila. Eu até queria saber mais sobre o assunto, mas só tem nos livros de história e ler é muito chato, minha mente é muito cansada e eu nunca prestava atenção nas aulas de História, sempre dormia (risos). Acho que vou ver mais a novela, esses assuntos são sempre muito interessantes e eu quero ver o que Alice vai fazer quando Renato voltar".
A consequência imediata foi a inserção de cenas explicando melhor os anos de chumbo. Uma delas, a da professora universitária Natália (Mariana Lima) debatendo com seus alunos o contexto da época, foi escrita logo após a divulgação do resultado aos autores, sendo feita toda num mesmo dia, 7 de maio (um domingo). Também foram incluídas cenas mostrando a relação do personagem Arnaldo (Antônio Calloni) com os militares, já que ele representa os empresários que apoiaram o regime, e a explicação do significado da frase "Brasil: Ame-o ou deixe-o", que ironizava os opositores forçados a se retirar do próprio país.
Obviamente, a Globo não vai falar do seu papel na consolidação do Golpe Militar, muito menos da tentativa de esconder as primeiras manifestações pelas eleições diretas.
A novela supersérie também terá uma passagem de tempo, mostrando a anistia, o retorno de muitos exilados e a redemocratização ocorrida após as manifestações pelas eleições diretas, em 1984. Assim, o personagem Gustavo será libertado, Renato voltará do Chile e se reencontrará com Alice (Sophie Charlotte) no meio de uma dessas manifestações da Diretas Já.

Um depoimento de uma jovem noveleira anônima mostra bem isso:
"Ai, eu A-M-O Novo Mundo! Ainda mais sabendo que meus favs tão na novela, né? Joaquim, Pedro e Piatã são os mais gatos, e eu tô shippando muito Annaquim! Só não entendi direito esse lance dos índios e das caravelas, minha mãe até achou que iam falar do Cabral, me perguntou quem era ele na trama, ela é muito burra, óbvio que Cabral não aparece agora porque foi ele que fez a proclamação da república!"
Quem estudou história (ou pesquisou isso no Google) sabe que com a vinda da Família Real ao Brasil em 1808, nosso país, que era até então colônia portuguesa, foi elevado a reino, ganhando um status maior. Mas isso, além da crise provocada pelo fim do pacto colonial que dava a Portugal a exclusividade no comércio daqui, acabou desagradando os portugueses, acarretando na Revolução do Porto. Após este episódio, ocorrido em 1820, a Família Real Portuguesa teve que retornar ao país europeu para organizar as coisas. Apenas Dom Pedro ficou no Brasil, na qualidade de príncipe regente, mas a pressão para que ele retornasse à Europa e tornasse o Brasil colônia novamente era muito grande, não só de portugueses como o General Avilez (Paulo Rocha), como também de muitos brasileiros. Mas Dom Pedro decidiu ficar no Brasil, anunciando a todos essa decisão (daí o famoso Dia do Fico, em 9 de janeiro) e depois, quando o clima ficou ainda mais insustentável, ele proclamou a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822.
"Novo Mundo" também terá mudanças, só que pequenas. Algumas chamadas serão divulgadas esclarecendo ao público que a novela fala da Independência do Brasil, para que não reste mais dúvidas quanto a isto.
"Novo Mundo" também terá mudanças, só que pequenas. Algumas chamadas serão divulgadas esclarecendo ao público que a novela fala da Independência do Brasil, para que não reste mais dúvidas quanto a isto.
Ambos os períodos históricos já tinham aparecido anteriormente em novelas e séries, não só da Globo, como também de outras emissoras. Uma delas foi a novela "Amor e Revolução", de 2011, escrita por Tiago Santiago, que também tratou do Regime Militar e da luta armada, com a história de amor entre o militar José Guerra (Cláudio Lins) e a guerrilheira Maria Paixão (Graziella Schmitt). Outra série famosa da Globo que se passava nesse período era "Anos Rebeldes", em 1992, que trazia o jovem João Alfredo (Cássio Gabus Mendes) dividido entre a militância política e o amor de Maria Lúcia (Malu Mader). E recentemente, vimos que as primeiras fases de "Senhora do Destino", com reprise no Vale a Pena Ver de Novo, e de "Tieta" com reprise no Viva, se passavam em 1968, mais precisamente no fatídico dia 13 de dezembro, quando foi promulgado o AI-5, que recrudesceu o regime e intensificou a perseguição a opositores, tirando deles algumas garantias constitucionais como o habeas corpus. A novela de 2003 mostrou a agitação ocorrida nas ruas do Rio de Janeiro após o anúncio do ato institucional, com Maria do Carmo (Carolina Dieckmann) e seus cinco filhos tendo que se virar no meio de um confronto entre manifestantes e a polícia. Já a segunda não aborda especificamente o episódio, por focar na expulsão da jovem Tieta (Claudia Ohana) de sua casa, mas tem um momento que traduz todo o sentimento de quem sofreu nas mãos do regime: Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos) arranca a folhinha daquela data do calendário e diz: "Faz de conta que esse dia nunca aconteceu".

Como podem ver, o brasileiro não tem memória. Assim como se esqueceu da Ditadura e das razões que levaram à Independência, também esqueceu dessas produções que trataram desses assuntos e certamente vai esquecer do que falavam "Novo Mundo" e "Os Dias Eram Assim" tempos depois que essas novelas acabarem. Tal ignorância tem diversos fatores, incluindo econômicos e sociais, e é bastante perigosa, por possibilitar que grupos com diversos interesses possam deturpar os fatos e propagar inverdades sobre esses períodos, como vem ocorrendo com a Ditadura Militar.
E é exatamente o que fazem os apoiadores de Jair Bolsonaro ao afirmar que não havia corrupção durante o regime militar, que a tortura é invenção da esquerda e que só esquerdistas desordeiros eram perseguidos.
Moral da história: VOLTA TELECURSO!